Olho vivo e faro fino: Rancore em PoA

Assim como acontece no didicografia, esse é um relato mais pessoal, fugindo de pauta editorial ou qualquer coisa polida pra fazer bonito, são sentimentos aqui.

Nesse domingo, dia 10 de março, aconteceu em Porto Alegre – RS o show da Rancore, o segundo da “Turnê Relâmpago” que, no dia anterior, havia dado seu início por Florianópolis – SC. Dado esse pequeno aviso, eu quero começar do meu início.

Em meados de 2013-2014, eu vivi um momento de hiperfoco em algumas bandas, mais especificamente em 3 álbuns: “TDG” do Forfun, “Amianto” da Supercombo, e por fim, e mais importante nessa história , “Seiva”, da Rancore. O “Seiva” fugia um pouco do que eu ouvia naquela época, pois eu estava em um processo de recém-desmamando-de-breakdown e, nos meus momentos sozinho, queria ouvir outras sonoridades. Nisso, me apeguei a essas obras e, com elas, eu tinha a minha companhia. Eram eles, um notebook estragado que ligava quando queria (e queria muito pouco) e maços de Minister varando as madrugadas de um jovem recém solteiro e que trabalhava no Telemarketing. Além disso, minha vida seguia num fluxo especial, pois minha banda da época, Infinitum, começava a ir para lugares mais distantes além de um pub pra outro no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Em uma dessas trips, fizemos um show em Rio do Sul – SC, e acabando ele, pegamos a estrada direto pra capital catarinense, Florianópolis. Lembro como se fosse hoje, eram umas 6-7h e nós estávamos entrando na cidade. No rádio do Uno do Thiago, tocava “Mãe”, da Rancore.

Foto: Joseph Matheus


“Mãe
Eu quero sair de casa
Conhecer outra realidade
Viver na estrada
Filho, por favor tome cuidado
Olho vivo e faro fino

Calma que eu tô protegido
E canto com os meus amigos
Vamos pegar a estrada”

Nesse momento, uma sensação de paz e alegria profunda tomava conta de mim, algo que marejou meus olhos, como se fosse eu ali, cantando isso pra minha mãe, que não está mais entre nós. Era um “olha, eu to aqui, com meus amigos, na estrada, fazendo o que eu amo” e as palavras do Teco traduziram esse sentimento.

Assim como esse momento, muitas mensagens desse CD me pegaram até mesmo desprevenido, como se eu precisasse ouvir, naquele momento, que o amor pode ser leve, que pode haver um “jeito livre de ser e fazer acontecer o nosso amor”. Com o passar dos anos e com mais maturidade, cada música ali me tocava de uma maneira diferente, assim como “Escravo Espiritual”, música essa que abriu a catarse que foi esse show em Porto Alegre.

Foto: Laura Derlam

“Vou sem mentir para agradar
Logo tudo vira pó
Dou o meu melhor e sigo
Sem fingir para te conquistar
Sou quem sou e sei que vou mudar
Por isso vivo”


E sigo sem fingir pra agradar.

No show de despedida da Rancore eu sofri. Sofri com a despedida, e mais ainda por não estar presente por um erro de cálculo de alguém que não presta atenção em datas. Eu trabalhava na casa noturna de Porto Alegre em que o show de despedida aconteceu e já estava cuidando da agenda de festas da casa há 1 ano. Porém, decidi viajar uma semana e tirar umas férias, de leve, no litoral, apenas descansando o corpo e mente. Nisso, me lembro, no dia que iria acontecer o show de despedida da Rancore, que eu não poderia participar. Durante os anos seguintes, minha esposa e amigos tiveram que me aguentar, reclamando e choramingando por aí, que perdi aquela oportunidade e que e nunca ia poder vê-los ao vivo, uma banda que significa tanto pra quem eu me tornei. Mas o mundo dá seu jeito de tudo acontecer.

Então, vamos ao show, ou há um pouco antes. Mais ou menos um mês antes do show, recebo a grata surpresa do Teco que, sem saber, havia me ensinado muito nos últimos anos. Ele me chama no Whatsapp com uma calma, um respeito e uma gentileza única, me convidando pra fazer parte, de alguma forma, desse momento, em Porto Alegre, o que envolveria o QuartEMO e também o Baile Emo. Nesse dia, eu fiquei muito feliz e aceitei, obviamente. No dia do show, cheguei cedo, com membros da equipe QuartEMO, a Laura e o Joseph – que foi fazer o after-movie desse evento. Lá, descansamos, conversamos, falei um pouco com o Teco e resolvemos algumas coisas. Enquanto isso, os outros membros da banda estavam passando o som e, logo, chegaria a vez da voz. Eu, do lado de fora (não consigo ficar muito tempo em lugares fechados, é difícil) estava aguardando. Então, começa a tocar uma das músicas que mais me marcou. Naquele momento, eu caí na “real” e notei que estava prestes a viver o que eu esperei tantos anos.

Eu só não imaginava que o que eu esperei era melhor ainda: o show da Rancore foi como lavar a alma, trazer uma nova energia boa pra dentro de mim, aquela de dar vontade de amar, de perdoar, de abraçar desconhecidos, de chorar pela milésima vez ouvindo “Cresci” e, claro, me jogar no mosh com todos aqueles estranhos se respeitando, como o manual do hardcore pede. Foi mais de uma hora de hits (podemos chamar assim, né?) de uma banda que nunca esteve em hiato, nunca acabou, sempre viveu e sempre irá viver dentro de cada um que conseguiu absorver nem que seja apenas uma mensagem passada ali.

Hoje, se eu pudesse dar uma dica, ela seria: aproveitem os shows dessa turnê pra não ficarem mais anos arrependidos, como eu fiquei. Mas, hoje, eu sei que cada segundo valeu a pena.

Obrigado Rancore.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *